Três especialistas em diferentes aspectos do sistema tributário brasileiro apresentaram, na manhã desta terça-feira, 24 de setembro, durante evento da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf), algumas das principais propostas da Reforma Tributária aprovada pela Emenda Constitucional 132, de 20 de dezembro de 2023.
Os temas “Tributação sobre o consumo”, “Capacidade contributiva” e “Imposto seletivo” foram discutidos nos painéis mediados por juízes federais da 1ª Região, com o objetivo de formar magistrados e magistradas para julgamentos baseados no novo sistema.
Tributação sobre o consumo e capacidade contributiva
Com mediação do juiz federal da Seção Judiciária de Goiás (SJGO) Alysson Fontenele, o professor Francisco Mata Machado Tavares falou sobre a tributação sobre o consumo e capacidade contributiva.
Introduzindo o assunto, o mediador lembrou que tributos têm uma “relação de meio e fim” com o Estado, em que a atividade tributária representa importante mecanismo em prol dos interesses da sociedade. “Ao longo do tempo, a tributação oscilou e evoluiu, essencialmente, em duas perspectivas: a primeira relacionada ao grau de utilização para fins fiscais e extrafiscais e a outra relacionada ao foco da incidência. Se, no século XVI, tínhamos debate intenso acerca da tributação sobre a propriedade, hoje ganhou importância acentuar o grau de competitividade entre os sistemas tributários no contexto da globalização. Porque a tributação, sem dúvida, se tornou um elemento decisivo na própria mobilidade do capital e na alocação de investimentos”, afirmou Alysson Fontenele.
Para o juiz federal, é inevitável se deparar com vantagens e desvantagens do sistema de tributação sobre o consumo. A primeira e maior vantagem é a força arrecadatória, aliada ao baixo custo administrativo que permite ao tributo ser importante fonte de receita para o financiamento e para os investimentos do capital. Já as desvantagens mais significativas são a pouca transparência para o contribuinte (anestesia fiscal) e a chamada “regressividade”, que faz com que os contribuintes de baixo poder aquisitivo fiquem sujeitos a essa premissa de repercussão econômica.
E, diante desse caráter regressivo, o magistrado ressaltou que as principais reflexões propostas no painel são: “a reforma tributária insistiu em contornar a gestão desse problema apontando a seletividade como única solução? A tributação seletiva ainda funciona e, se sim, como funciona? E, por fim, depois da reforma tributária, há outros instrumentos para contrapor os efeitos deletérios (ruins) da tributação sobre o consumo?”.
Para destacar os fatores que englobariam essa reflexão, o professor Tavares explorou premissas teóricas sobre a definição de tributos a partir de diferentes autores, falou sobre a relação entre tributação e desigualdades no contexto brasileiro e apresentou algumas soluções para a regressividade em tributos sobre o consumo.
A respeito das soluções, Tavares explicou sobre a alternativa Steinmo e o Direito Financeiro, abordando a escolha originária da Constituição de 1988 pela tributação seletiva (com base na essencialidade das operações) e o Direito Tributário “puro”. Falou, ainda, sobre a seletividade em função da essencialidade, o problema do pass-through e o caminho do cashback, considerado uma solução mista entre Direito Financeiro e Direito Tributário.
Na conclusão, o palestrante trouxe simulações de sua autoria com base no Projeto de Lei Complementar 68/2024, que atualmente aguarda designação de relator no Senado Federal. E, encerrando o painel, ele respondeu perguntas das juízas e juízes que questionaram, entre outros assuntos, a relação entre tributação e desigualdades de gênero.
Imposto seletivo
O último painel da manhã trouxe como mediador o desembargador federal Marcelo Albernaz, do TRF1, e, como palestrantes, o juiz federal Leonardo Buissa Freitas, da SJGO, e a professora Maria Teresa Ruas Coelho.
Maria Teresa Ruas Coelho falou sobre o imposto seletivo a partir do que dizem as evidências científicas, a metodologia dos estudos envolvidos e a base teórica fundamentada nos economistas Pigou e Coase. Ela afirmou que há conclusões sérias para acreditar que os tributos seletivos funcionam, em especial sob alíquotas elevadas (aumento no custo das atividades nocivas) e quando associados a políticas públicas multissetoriais (a exemplo do aumento sobre tabaco, bebidas alcoólicas e açucaradas que se inserem em um conjunto de outras políticas).
A professora também ressaltou que os tributos seletivos funcionam melhor quando o aspecto material da hipótese de incidência é amplo (quando o comportamento dos consumidores em direção a atitudes saudáveis é mais provável quando mercadorias que podem substituir aquelas sobre as quais incidem impostos seletivos também são alcançadas por essas medidas) e que não há evidência válida cientificamente de que os tributos seletivos produzem impacto sobre a ilegalidade ou pirataria (como se pudessem elevá-las).
A especialista lembrou que o Projeto de Lei Complementar 68/2024 da reforma tributária pretende instituir o imposto seletivo sobre a produção, a extração, a comercialização ou a importação de produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (como veículos, embarcações e aeronaves, produtos fumígenos, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas e bens mineiras extraídos).
Já o juiz federal Leonardo Buissa falou sobre as características normativas do Imposto Seletivo, passando por assuntos como: a seletividade como critério de justiça fiscal e tributo extrafiscal e o detalhamento do imposto seletivo na Emenda Constitucional 132/2023.
O magistrado levantou importantes reflexões como “será que a reforma vencerá a hiperlitigiosidade no campo tributário?” e citou os principais desafios jurídicos que podem chegar aos gabinetes da Justiça Federal pela interpretação da lei complementar sobre o imposto seletivo.
Para o desembargador federal Marcelo Albernaz, uma das grandes preocupações com relação à Reforma Tributária é a de que a ideia original do legislador pudesse se perder com a edição de leis que, de alguma maneira, modificassem o teor e objetivo da emenda, o que justifica o estudo detalhado das legislações propostas.
Evento
O “Ciclo de Palestras sobre a Reforma Tributária” é promovido pela Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) e está ocorrendo presencialmente na sede da Seção Judiciária de Goiás, em Goiânia/GO, desde segunda-feira, 23 de setembro.
O evento reúne julgadores dos treze estados da jurisdição do Tribunal Regional Federal da 1ª Região e tem transmissão ao vivo pelo canal da Esmaf no YouTube. Acesse as gravações neste link.
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AL/LS
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região