A complexidade do Sistema Tributário Brasileiro, com sua infinidade de normas legais e infralegais, sempre serviu de argumento para dificultar o entendimento sobre o tema e, como consequência, afastar a possibilidade de um debate mais palatável e compreensível entre a sociedade.
Para quebrar com esse paradigma, o Observatório elencou nesse espaço uma série de questões que permitem conhecer, de uma maneira simples e direta, alguns aspectos do Sistema Tributário que sempre ficaram sob o domínio acadêmico ou governamental.
A seguir, é possível conhecer um pouco mais sobre o funcionamento do sistema tributário, qual o modelo em curso no Brasil, por que o sistema brasileiro é regressivo, quais ferramentas podem fazer a tributação ser mais justa e o que se entende por justiça fiscal.
Confira!
O sistema tributário refere-se ao conjunto de leis e relações políticas, econômicas, culturais e jurídicas, que responde, de modo material e objetivo, aos conflitos e pactuações sociais referentes à definição do que será entendido como privado e do que constituirá o espaço, os bens e os serviços públicos.
As principais funções de um sistema tributário são: arrecadar receitas para financiamento do Estado, redistribuir renda e riqueza, regular e estabilizar a economia, garantir a representação democrática, promover a justiça social e fomentar o desenvolvimento.
Veja a descrição de cada uma delas:
Arrecadação de Receitas: a principal função do sistema tributário é fornecer recursos financeiros para o governo. Esses recursos são usados para financiar diversos serviços públicos, como saúde, educação, infraestrutura, defesa, segurança pública, entre outros.
Redistribuição de Renda: através da tributação progressiva, o sistema tributário pode ser usado para redistribuir renda e riqueza. Isso significa que aqueles com rendas mais altas pagam uma porcentagem maior de seus rendimentos em impostos do que aqueles com rendas mais baixas. O dinheiro arrecadado é então usado para financiar programas sociais que beneficiam principalmente os menos afortunados.
Regulação Econômica: o sistema tributário pode ser usado para incentivar ou desencorajar certos comportamentos econômicos. Por exemplo, impostos sobre o consumo de álcool e tabaco podem ser usados para desencorajar seu uso, enquanto incentivos fiscais podem ser oferecidos para promover investimentos em setores específicos ou para incentivar comportamentos ambientalmente amigáveis.
Estabilização Econômica: em situações de recessão, o governo pode reduzir tributos ou oferecer incentivos fiscais para ajudar a estabilizar a economia.
Representação: em democracias, o sistema tributário é frequentemente um reflexo das prioridades e valores da sociedade. Os cidadãos têm a oportunidade de influenciar as políticas tributárias por meio de seus representantes eleitos.
Promoção de Justiça Social: nos sistemas tributários justos, busca-se um equilíbrio entre a capacidade de pagamento do contribuinte e a necessidade de financiar serviços públicos. A ideia é que cada um contribua de acordo com sua capacidade, garantindo que o sistema seja justo e equitativo.
Fomento ao Desenvolvimento: em alguns países, o sistema tributário é estruturado para promover o desenvolvimento econômico, oferecendo, por exemplo, incentivos fiscais para investimentos em áreas menos desenvolvidas ou setores estratégicos.
É importante notar que a eficácia de um sistema tributário em atingir esses objetivos depende de sua estrutura, administração e contexto econômico e social do país em questão. Além disso, pode haver tensões entre esses objetivos e os governos muitas vezes têm que fazer escolhas difíceis sobre quais priorizar.
A literatura mais recente indica que os tributos possuem cinco funções, todas iniciadas com a letra R:
Representação: a dinâmica política associada à tributação é o principal aspecto explicativo para os processos de democratização e de constituição de governos representativos em toda a história do Estado moderno.
Reprecificação: os tributos permitem ao Estado intervir sobre o domínio econômico, garantindo que os bens e serviços possuam preços condizentes com os objetivos jurídico-políticos de um país, antes de espelharem apenas os valores alcançados em relações de mercado, que, não raramente, traduzem as chamadas externalidades negativas não computadas, como ocorre com cigarros, produtos ambientalmente nocivos, mercadorias de luxo e afins.
Redistribuição: a mais efetiva política pública orientada à redução de desigualdades sociais, regionais e econômicas é, como farta evidência indica, a tributação.
Recursos: os tributos, assim como as políticas creditícia e monetária, asseguram que o Estado terá recursos para implementar políticas públicas democraticamente escolhidas e custear os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados.
Ratificação da moeda: ao aceitar o pagamento dos tributos na moeda que emite, o Estado reforça sua soberania monetária e, assim, sua primazia jurídico-política em seu território.
O Brasil tem um sistema regressivo, onde os pobres pagam mais impostos que os ricos. Ou seja, maior parte dos tributos incide sobre o consumo, afetando mais os brasileiros com baixa renda.
Esse sistema tributário é paradoxal, uma vez que a Constituição dispõe sobre princípios como progressividade e respeito à capacidade contributiva, mas a realidade fática é de opacidade, favores desmedidos ao grande capital e aos indivíduos mais abastados, complexidade e susceptibilidade a lobbies de interesses minoritários, mas economicamente poderosos. Um estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicado em 2017, indica que somos um dos países mais regressivos em sua institucionalidade tributária em todo o mundo.
O sistema tributário deve ser gestado participativamente, por meio de arranjos político-democráticos como conferências, conselhos, plebiscitos, referendos e fóruns permanentes, que orientariam atuação parlamentar. Ademais, a validade das normas tributárias deve se referenciar na redução das desigualdades de classe, origem, raça e gênero. A política tributária deve, igualmente, acoplar-se à justiça climática e à indução de condutas tendentes à transição energética. Um bom sistema fiscal, ademais, precisa acoplar-se a um regime internacional que coíba os regimes de sigilo e anonimato, elimine as possibilidades de abuso dos tratados internacionais para se evitar a bitributação, extirpem as competições tributárias nocivas, promovam os relatórios de ganhos de multinacionais na modalidade, “país por país”, e se submetam a uma autoridade tributária global democraticamente gerida a partir da Organização das Nações Unidas (ONU).
Um sistema tributário capaz de diminuir as desigualdades sociais e promover políticas públicas eficazes precisa ter caráter progressivo. Desta forma, haverá justiça fiscal, com cobrança de impostos das altas receitas, atualização da tabela do Imposto de Renda, entre outros mecanismos capazes de contribuir para um Estado de bem-estar social.
Justiça fiscal é mais do que tributação justa. É garantir que quem tem mais capacidade contribua mais, aliviando o peso sobre os menos afortunados. A sonegação de tributos cria concorrência desleal e injustiça fiscal. Proteger negócios e a cidadania é essencial.
O conjunto de políticas, práticas e normas voltadas à construção de um sistema tributário que reduza desigualdades, promova o meio ambiente e se institucionalize em processos democático-participativos se define como justiça fiscal.
A Reforma Tributária tem um papel fundamental na construção de um sistema tributário mais justo, pois, busca revisar, atualizar e melhorar o sistema tributário existente, considerando as mudanças econômicas, sociais e políticas ao longo do tempo. Um sistema tributário justo é aquele que é equitativo, eficiente, transparente e adaptável às necessidades de uma sociedade. A Reforma Tributária pode contribuir para a construção de tal sistema de várias maneiras:
- Equidade: a Reforma Tributária pode tornar o sistema mais equitativo, garantindo que indivíduos e empresas com capacidades semelhantes de pagamento sejam tributados de maneira semelhante. Isso pode envolver a revisão de isenções, deduções e alíquotas para garantir que não haja tratamento preferencial injustificado.
- Progressividade: para promover a justiça social, é fundamental um sistema tributário progressivo, onde aqueles com maior capacidade de pagamento contribuem com uma proporção maior de sua renda. A reforma pode ajustar o sistema para garantir essa progressividade.
- Eficiência Econômica: um sistema tributário eficiente minimiza as distorções no comportamento econômico. A Reforma Tributária pode eliminar ou reduzir impostos que desencorajam a produção, o investimento ou o consumo de bens e serviços benéficos.
- Transparência: a reforma pode tornar o sistema tributário mais transparente, garantindo que os contribuintes entendam como os impostos são calculados e para que são usados.
- Simplificação: muitos sistemas tributários tornam-se complexos ao longo do tempo devido a adições, exceções e modificações. Uma reforma pode simplificar sistema tributário, tornando-o mais compreensível para os contribuintes e reduzindo os custos de conformidade.
- Adaptabilidade: à medida que a economia e a sociedade evoluem, o sistema tributário também deve se adaptar. A Reforma Tributária pode introduzir mecanismos que permitam ao sistema responder mais rapidamente a mudanças no ambiente econômico ou social.
- Combate à Evasão e Elisão Fiscal: uma reforma bem planejada pode fechar brechas que permitam a evasão ou elisão fiscal, garantindo que todos paguem sua parte justa.
- Estímulo ao Desenvolvimento: a reforma pode reestruturar o sistema tributário para promover o crescimento econômico, incentivando investimentos em setores estratégicos ou áreas menos desenvolvidas.
- Ao buscar uma Reforma Tributária, os legisladores devem considerar cuidadosamente as necessidades e prioridades de sua sociedade, bem como as implicações econômicas de suas decisões. Um sistema tributário justo é fundamental para a legitimidade do governo, a coesão social e o desenvolvimento econômico sustentável.